Tive o diagnóstico de doença de Parkinson. E agora?
Postado em: 03/09/2021
“Pai, o que há de errado com a sua mão?” O filho comentou, na mesa de jantar. “Nada”, ele respondeu, “deve ser um tremor da idade, ou estresse”.
Naquela semana, a família resolveu levá-lo ao médico. Aliás, ele tinha 56 anos, e não era comum as pessoas tremerem nessa idade, pensavam a esposa e o filho.
Enquanto ele entrava no consultório, o neurologista disse: “Você está com Parkinson.”
Ele ficou surpreso, estático, imóvel. O médico continuou: “você não consegue sentir o cheiro das coisas, sua mão treme, você está mais lento e seu rosto mais sério. É isso, você tem Parkinson”.
E de fato ele tinha. O seu mundo desabou.
“O que fazer da minha vida?”
“Como vai ser meu futuro?”
“Vou ficar dependente da minha família?”
“E meus filhos, e meus futuros netos?”
O diagnóstico de uma doença crônica, que não tem cura, como a doença de Parkinson, tem um impacto emocional, social e familiar enorme. De um dia para o outro sua vida muda, assim como a sua forma de encarar as situações, o seu olhar para o futuro, o seu olhar para o passado.
Dessa forma, pretendo aqui abordar alguns aspectos desse momento difícil para muitas pessoas que passaram ou passarão pelo cenário acima, mas sob um olhar leve.
O que é, de fato, a doença de Parkinson?
Antes de mais nada: não existe Mal de Parkinson. Esse termo foi extinto há muitos anos. É Doença de Parkinson, em referência ao médico inglês James Parkinson, que a descreveu em 1817. Mas pouco importa o nome, e sim, quais suas consequências.
Brevemente, ela é causada por uma redução na produção de dopamina no cérebro, que é uma molécula essencial para os nossos movimentos. Com essa redução, a pessoa fica mais lenta, treme e tem dificuldade para fazer as atividades do dia a dia.
O depósito anormal de uma proteína no cérebro, chamada de alfa-sinucleína, leva a essa redução da produção da dopamina. Portanto, o que temos é uma disfunção e redução da produção da dopamina.
Não gosto do termo degenerativo. É um termo antigo, em uma época em que não se conhecia ao certo as causas das doenças.
A doença de Parkinson é uma doença crônica, causada pela perda progressiva da dopamina, resultante de um depósito anormal da proteína alfa-sinucleína. Ponto, é isso.
Como tratamos? Repondo a dopamina, fazendo atividade física, e ajustando os remédios regularmente.
Desmistifique alguns conceitos
Não é porque alguém que você conhece e tem Parkinson, que você vai achar que vai ficar igual. A doença é heterogênea, diferente de uma pessoa para outra.
Isso não quer dizer que sua jornada será fácil. Não é isso. Mas não dá para comparar a sua evolução com a de outras pessoas. E claro, o tratamento é sério, sistemático, há comprometimento do paciente em seguir as medidas passadas pelo seu médico de confiança.
Outro ponto: aquela imagem que temos de quem tem Parkinson: um senhor já de idade, frágil, tremendo, encurvado para frente, não é verdade na maioria dos casos.
Mais da metade dos pacientes acometidos pela doença têm entre 50 e 69 anos, estão na fase ativa da vida. Uma parcela é ainda mais jovem. Eles têm trabalho, contas a pagar, prazeres, sonhos.
A vida de quem tem Parkinson vai seguir.
Com tratamento. Com dificuldades algumas vezes, é verdade, mas vai seguir. O tratamento pode deixar a pessoa ativa, vigorosa, disposta. O luto inicial no diagnóstico é compreensível, é esperado. Mas o caminho a ser seguido deve ser o de enfrentamento e convivência com a doença.
Porque hoje sabemos, e isso é importante, que a pessoa não morre de Parkinson. Ela convive com ele. O tratamento das outras condições, como pressão alta, diabetes, sedentarismo, é fundamental, pois a maior causa de morte no mundo é infarto, derrame e câncer.
Assim, muitos pacientes olham para trás, na época do diagnóstico (há alguns anos), e dizem: “É doutor, no final minha vida seguiu, estou caminhando, com fé, aceitando mais, dando mais valor às coisas do dia a dia. Tocando o barco”
Por mais forte que seja a ventania, por mais densa que seja a nuvem, depois do inverno, sempre vem a primavera.
Espiritualidade e Fé
Espiritualidade é diferente de religião. Religião se refere a aspectos interpessoais e institucionais que derivam de se ocupar de doutrinas, valores, tradições e membros de um determinado grupo religioso. Devemos respeitar todas as religiões, sempre.
Já a espiritualidade refere-se a experiências psicológicas da religiosidade relacionadas à ideia individual de conexão com algo transcendente. A espiritualidade é manifesta por meio de emoções como reverência, gratidão, amor, compaixão e perdão. Portanto, de uma forma ou de outra, a espiritualidade está dentro de nós.
Há evidências científicas de que quando enfrentamos nossos problemas (como uma doença) com espiritualidade, ou emoções positivas, a evolução da doença é mais satisfatória. Ou seja, a progressão da doença é mais branda. As pessoas ficam melhores.
Para muitos, espiritualidade é produto da fé.
A fé de que a doença vai ficar sob controle, de que novos tratamentos irão surgir, do poder da ciência e das pesquisas.
Por fim, é natural termos emoções negativas, como medo ou raiva, que são inatas e de enorme importância. Mas embora cruciais, elas são benéficas apenas no momento em que ocorrem. Não devemos permanecer com elas. Já as emoções positivas são mais expansivas e nos ajudam a ampliar e a construir.
Minha vida é canto sem fim,
Além do mundano sofrer.
Ouço o hino claro e distante
Que saúda o novo ser.
Temporal nenhum me abala
Enquanto à rocha agarrar.
Se há amor no céu e na Terra,
como deixar de cantar?
Robert Lowry (1860)
Esperança
Creio que um dos objetivos dos médicos seja acolher, confortar. Mas além disso, também regar esperanças às pessoas. O sofrimento equivale à esperança aniquilada e é mais do que dor: é a perda do controle, o desespero.
No entanto, se a perda da esperança transforma dor em sofrimento, a volta da esperança transforma o sofrimento em dor tolerável. O sofrimento é a perda da autonomia; esperança é a restauração. O diagnóstico de uma doença como Parkinson é seguida de sofrimento, mas a esperança pode ser restauradora. Tenha esperança.
Dancei numa sexta quando o céu escureceu;
É difícil dançar quando o demônio é seu;
Enterraram meu corpo, pensaram que eu morri,
Entretanto eu sou a dança e sobrevivi.
Fui derrubado e me alcei ainda mais,
Pois sou a vida, que não morre jamais.
Sidney Carter (1963)
Artigo escrito pelo Dr. Rubens Gisbert Cury
Médico Neurologista especialista em doença de Parkinson, Tremor Essencial, Distonia, e Estimulação Cerebral Profunda (DBS, deep brain stimulation).
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INFORMAÇÕES DO AUTOR:
Dr. Rubens Cury Neurologista especialista em doença de Parkinson e TremoresMédico Neurologista especialista em doença de Parkinson, Tremor Essencial, Distonia, e Estimulação Cerebral Profunda (DBS, deep brain stimulation). Possui doutorado em Neurologia pela USP, pós-doutorado em Neurologia pela USP e Universidade de Grenoble, na França, e é Professor Livre-Docente pela USP.
Registro CRM-SP 131445