Passo a passo sobre a cirurgia para a doença de Parkinson
Postado em: 26/10/2021
A doença de Parkinson tem como base do tratamento atividade física e medicamentos que repõem a dopamina, como a Levodopa. Em alguns casos, a cirurgia pode ser indicada por trazer bastante alívio dos sintomas aos pacientes.
Vamos discutir aqui brevemente 5 conceitos sobre a cirurgia para a doença de Parkinson, conhecida como Estimulação Cerebral Profunda ou DBS (deep brain stimulation). Primeiro farei um resumo de cada conceito, e em seguida explicarei em um vídeo ilustrativo cada um desses tópicos.
1. O que é o DBS?
A Estimulação Cerebral Profunda (conhecida como DBS, da sigla em inglês Deep Brain Stimulation) é uma cirurgia realizada para melhorar os sintomas da doença de Parkinson. Ela também é utilizada para outras doenças, como a Distonia e o Tremor Essencial.
O DBS consiste na colocação de eletrodo em uma pequena região do cérebro afetada pela doença. Um eletrodo é colocado de cada lado do cérebro.
Na doença de Parkinson, o eletrodo é colocado em um núcleo chamado subtalâmico, uma pequena estrutura localizada na região central do cérebro.
Núcleo Subtalâmico – o Alvo da Cirurgia no Parkinson
O núcleo subtalâmico participa dos movimentos quotidianos como escrever, falar, gesticular e andar. Ele é coordenado pela dopamina, que é uma pequena molécula liberada por nossos neurônios. Na doença de Parkinson, há uma redução progressiva da produção de dopamina, o que faz com que o funcionamento do núcleo fique alterado e com atividade reduzida. Como resultado, aparecem os sintomas típicos da doença de Parkinson: lentidão dos movimentos, tremor de repouso e rigidez.
Desta maneira, na falta de dopamina, a estimulação do núcleo subtalâmico através do DBS produz pequenos impulsos elétricos que visam restabelecer o funcionamento adequado dessa pequena região cerebral, melhorando assim os sintomas.
O sistema da Estimulação Cerebral Profunda é formado por 3 componentes:
1) O eletrodo de estimulação, que fica no alvo determinado. No caso, o núcleo subtalâmico na doença de Parkinson; O eletrodo é uma estrutura metálica fina, semelhante a uma carga de caneta, com diâmetro médio de 1 mm (número 1 da figura abaixo). Ele se fixa na região do crânio (número 2 da figura).
2) O cabo de conexão, que conecta o eletrodo à bateria (número 3 da figura). O cabo de conexão fica embaixo da pele, e sai da região da cabeça onde os eletrodos foram colocados e vai até a região torácica, onde fica a bateria (marcapasso).
3) A bateria, ou marcapasso, que gera a energia para todo o sistema. Ele fica embaixo da pele, semelhante a um marcapasso cardíaco (número 4 da figura).
2. Quando indicamos o DBS na doença de Parkinson?
Indicamos em pacientes com Parkinson que, apesar do uso adequado das medicações, não estão com seus sintomas controlados.
Ou seja, mesmo fazendo o uso adequado do esquema medicamentoso prescrito pelo neurologista, ainda apresenta episódios de rigidez, lentidão e tremor que incomodam seu dia a dia.
Há critérios estabelecidos para um paciente se beneficiar da cirurgia.
Entre eles, temos:
- O paciente deve ter pelo menos 4 anos de tempo de doença.;
- O paciente deve estar fazendo o tratamento medicamentoso de forma correta, e mesmo assim ter sintomas que prejudicam sua qualidade de vida, como movimentos involuntários (chamadas discinesias), Off (período de travamento importante e rigidez) ou tremor de repouso.
Antes da cirurgia, realizamos uma avaliação neuropsicológica, que visa avaliar os sintomas cognitivos do paciente (memória, atenção) e sintomas depressivos.
Importante ressaltar que nem todos os pacientes com Parkinson irão se beneficiar da cirurgia. Há pacientes que ficam bem controlados com remédios, e não necessitam da cirurgia. Por outro lado, há pacientes em que o risco cirúrgico é alto, portanto ela não pode ser feita. Assim, a indicação do DBS deve ser discutida com seu médico neurologista; ela é individualizada.
3. Quais sintomas que melhoram com o DBS?
A Estimulação Cerebral Profunda ou DBS tem como grande objetivo melhorar a qualidade de vida do paciente. Conforme discutido, quando um paciente é candidato a cirurgia, ele apresenta sintomas que estão impactando na sua funcionalidade, como a rigidez, a lentidão, os tremores e os movimentos involuntários. E são esses sintomas que a cirurgia no geral melhora.
Sintomas que a cirurgia melhora:
- Tremor;
- Lentidão dos movimentos: caminhar, se trocar, realizar higiene pessoal;
- Discinesias: movimentos involuntários.
Sintomas que a cirurgia pode melhorar:
- Sono: em especial quando o problema de dormir é relacionado ao Parkinson, como rigidez e dificuldade em virar-se na cama, a cirurgia costuma ajudar bastante;
- Dor relacionada ao Parkinson: dores que aparecem em OFF, quando o remédio está acabando, no geral são aliviadas pela cirurgia.
Sintomas que a cirurgia no geral não melhora:
- Alteração da fala (volume da voz baixa). Pode melhorar, pode não mudar nada, e em alguns casos pode piorar um pouco depois da cirurgia. Cabe aqui uma discussão com seu médico;
- Depressão, esquecimentos, intestino preso e alteração urinária (como urgência urinária);
- Desequilíbrio, quedas: pacientes que tem muita instabilidade postural, com quedas frequentes, não são bons candidatos à cirurgia;
- Postura muito encurvada para frente ou para o lado: tem pacientes que melhoram, mas definitivamente não é regra.
Saber o que o DBS pode melhorar ou não é crucial para a EXPECTATIVA DO PACIENTE. O paciente deve e tem o direito de saber quais sintomas podem responder e quais não podem após a cirurgia, pois a decisão final de operar ou não operar será dele!
4. Quais são os riscos do DBS?
– Em até 5% dos pacientes operados, pode haver infecção na pele do couro cabeludo (no local da cicatriz); mais raramente, pode haver meningite. As infecções são sempre tratadas com antibiótico e podem ocorrer nos dias seguintes à cirurgia ou mais tardiamente, meses após a cirurgia.
Por isso, o cuidado cirúrgico e limpeza do curativo são fundamentais. Em uma parcela dos pacientes que infectam, há a necessidade de remover completamente o sistema de DBS.
Nesses casos, será discutido com a equipe médica a possibilidade de reoperação posteriormente.
– Há a possibilidade de complicação durante a anestesia geral relacionada a alergias não conhecidas ou reações imprevisíveis aos anestésicos de uso rotineiro.
– Edema (inchaço) na face relacionados à fixação do aparelho estereotáctico ocorrem em 90% dos casos, e são transitórios. Em outras palavras: durante a cirurgia, a cabeça do paciente fica fixada por um sistema (espécie de capacete), justamente para evitar que ela mexa. Logo nos dias após a cirurgia, pode haver inchaço nos locais de fixação e na região da fronte. É normal, e após alguns dias o inchaço melhora.
– Riscos de hemorragia cerebral (0,5% dos casos, segundo estudos) com possível prejuízo parcial ou total de funções cerebrais como movimentação do corpo e fala.
– Mau posicionamento do eletrodo: em alguns casos, a posição final dos eletrodos não é ideal. Isso pode ocorrer pois durante a introdução dos eletrodos pode haver um pequeno desvio do trajeto. Nesses casos, se a estimulação for ineficaz, pode-se optar por reoperar o paciente.
Mensagem: A cirurgia de Estimulação Cerebral Profunda não é isenta de riscos. Portanto, em cada caso deve ser discutido detalhadamente os riscos e benefícios do procedimento entre o paciente, a família, e a equipe médica. É fato que a tecnologia e a segurança aumentaram muito nos últimos anos, e a porcentagem de complicação é considerada baixa.
5. Após a cirurgia: convivendo com o DBS
Costumo dizer que não existe vida pré e vida pós o DBS. Simplesmente a vida continua, com os mesmos desafios, com os mesmos sonhos, trabalhando, tomando os remédios, fazendo fisio e fono, etc…
O DBS é um tratamento a mais que foi dado ao paciente. Muito efetivo em alguns casos, isso é verdade, mas a disciplina do tratamento em geral deve continuar.
O seguimento após a cirurgia é tão importante quanto a cirurgia em si. De nada adianta ter o aparelho de DBS, se o ajuste da estimulação e o manejo adequado dos medicamentos após a cirurgia não for bem feito, orquestrado.
Em média, ligamos o aparelho 2 a 4 semanas após a cirurgia. Iniciamos sempre com uma estimulação baixa, e vamos adaptando e subindo aos poucos.
Costumamos dizer que DBS é igual remédio: você precisa começar com uma “dose” baixa e ir subindo devagar. Essa fase inicial demanda uma paciência do paciente e dos familiares, pois o ajuste inicial pode levar 3-6 meses.
No geral, o neurologista especialista em DBS faz as programações do aparelho (utilizamos um tablet para isso). São avaliados os efeitos positivos e colaterais da estimulação, para assim ter um ajuste adequado.
Figura abaixo mostra os Tablets utilizados para programar o aparelho de DBS, os eletrodos de estimulação (são fios flexíveis, com diâmetro semelhante a uma carga de caneta fina) e as baterias
As visitas ao médico são feitas inicialmente a cada 4 a 6 semanas, e depois espaçadas.
Paralelamente ao ajuste da estimulação, muitas vezes reduzimos os remédios. Mas nunca tiramos totalmente.
Nota: Há no geral redução dos remédios após a cirurgia, mas não a retirada totalmente. O objetivo principal da cirurgia não é reduzir os remédios, mas sim melhorar a qualidade de vida da pessoa.
Alguns aparelhos são recarregáveis: a pessoa recarrega 1 vez por semana a bateria em sua casa, através de uma cinta que é colocada na região torácica. É bem tranquilo. Outros aparelhos de DBS não são recarregáveis, e a cada 5 anos em média precisamos trocar a bateria.
Em suma: Procurei abordar aqui algumas caraterísticas da cirurgia, mas existem outras dúvidas que podem e devem surgir. A informação adequada sobre o DBS é passo fundamental para o sucesso da terapia. Converse com seu neurologista.
Artigo escrito pelo Dr. Rubens Gisbert Cury
Médico Neurologista especialista em doença de Parkinson, Tremor Essencial, Distonia, e Estimulação Cerebral Profunda (DBS, deep brain stimulation). Coordenador do Grupo de Estimulação Cerebral Profunda da Universidade de São Paulo.
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INFORMAÇÕES DO AUTOR:
Dr. Rubens Cury Neurologista especialista em doença de Parkinson e TremoresMédico Neurologista especialista em doença de Parkinson, Tremor Essencial, Distonia, e Estimulação Cerebral Profunda (DBS, deep brain stimulation). Possui doutorado em Neurologia pela USP, pós-doutorado em Neurologia pela USP e Universidade de Grenoble, na França, e é Professor Livre-Docente pela USP.
Registro CRM-SP 131445